02 janeiro 2012

Trabalho de Conclusão de curso

Memorial.
Quando meu orientador me pediu que escrevesse um memorial para apresentação do meu trabalho final (que era uma animação) fiquei emputecida.
Esse sentimento se deu por observar nos meus outros colegas de classe suas escolhas de TCC’s. A grande maioria optou pelo trabalho monográfico. Enquanto aqueles onde a arte e a produção predominam, a escolha foi outra: material artístico audiovisual.
O que não sabíamos era o que além do trabalhoso desenvolvimento de roteiro, personagens, offset, reuniões, pesquisa e o cacete, precisaria ser feito: Um MEMORIAL.

Bem, no meu entendimento memorial é o seguinte. É um diário acadêmico, com termos acadêmicos e citações de outros acadêmicos.

O que acontece infelizmente no meu caso é que a escolha de realizar um produto e não uma monografia é minha inadequação aos processos acadêmicos. Meu parecer nessa instituição me rendeu alguns remédios contra depressão e florais para adequação – resultantes desse processo de TCC – pois graças aos auxílios medicamentosos estou escrevendo o meu trabalho final de conclusão de curso e não o abandonei pela metade (como era de se esperar). Ou seja: durante quatro anos da minha vida eu me calei artística e criativamente para ter entre minha axila e minhas costelas um papel que me fizesse sentir mais capaz do que outros e que assim - fosse o caso - me separar da classe subalterna numa cela especial em alguma cadeia do país, ou quem sabe um bonuszinho no salário michuruca que somos obrigados a receber.

Esse Memorial não caberá nas normas acadêmicas. Ele não se encaixa em nenhuma forma, método ou qualquer coisa de reconhecimento intelectual plausível dentro dos estudos pragmáticos e cartesianos que uma academia exige.
Assim como eu não me adeqüei e reconheço sem mérito: é bem possível que jamais me adequarei. Talvez não me fosse digno o tal papel separatista. Talvez não coubesse a mim tal status. Nesses quatro anos de graduação foi uma farsa por completo, como a instituição, assim como será esse memorial e talvez, quem sabe, a minha formatura.

Brasília, Blc. O 405 Norte - ao lado do HUB - 31/05/2011
Daqui a dez dias devo entregar esse memorial. Eu havia escrito algumas coisas anteriormente, coisas que talvez se adequassem o mínimo do que a academia ou meu orientador exigiam. Mas todos os esforços autodestrutivos, na tentativa de receber algum mérito, não me fizeram sentir convicta do que eu acredito. Realizar uma obra de arte representa ser sincera e livre. Se tiver reconhecimento da banca pelo meu trabalho, será pelo meu talento e dedicação no meu trabalho (apesar de que um SS ou MS não é o meu alvo de reconhecimento). Observei a falha no caráter e não seria correto mediante as leis cristãs tal louvor desses por mim. Ok. Não sou uma filósofa, intelectual, matemática. Não vou seguir a profissão acadêmica. Vou seguir minha vida. Sincera e livremente. Não me envergonho de não compartilhar os devidos respeitos aos sábios. Meu mundo não é o de Platão. Não vivo pela idéia. Vivo pela arte. E se para fazer arte preciso viver pela idéia do que a arte representa, deixa de ser arte. Prefiro virar mendiga.
Acho que é por isso que coloquei um mendigo como personagem chave no meu trabalho final. É isso! Um mendigo representa a fuga, o escapismo dessa sociedade – a inadequação. Não precisam de nada além dos restos de mal uso daqueles que tudo desperdiçam. Eu desperdiço palavras. Ainda me coloco nesse papel ridículo de auto-afirmação, compadecimento, para acabar de vez essa farsa acadêmica. Até a
mendicância é controversa. Minha mãe, meu pai dirão: “Não acredito que você escreveu essa merda. Você está na reta final... Nunca concluiu nada...nem vai concluir...”
Hoje admito: é verdade. Não vou. Mas meu objetivo no planeta não é esse. Não é concluir. É o processo. É meu envolvimento, minha força, a força da arte pulsátil. Isso é o que me motiva! Meu memorial tem que ter a minha força motivadora. Se não, não sou eu. É um monte de texto sem emoção, sem força, sem vontade para o outro.
Não é o outro que está se formando porra! Sou eu! Foi eu quem pagou hum mil reais por mês nessa merda de faculdade cretina! Para você que lê, seja da banca, meus pais, meu orientador ou quem for..só verá um texto mal escrito ou uma força dramática sinistra de uma menina perturbada e pouco desenvolvida intelectualmente.
Mas ninguém está aqui. No meu corpo. Na minha cabeça. Enquanto digito o “e”, as “aspas”, as virgulas e a metalinguagem. Não é você que tenta se convencer de que é capaz de ser aceito nas normas e ser valorizado pelo que é. O meu trabalho é uma animação. E eu estou vivendo por ela a anos da minha vida. Livremente. Sem fórmulas, sem conceitos, sem aprofundamentos. Faço por que tenho tesão e só. Referências, tenho milhares. Assim como todo mundo têm. Tudo é referência. Essa gota que está quase caindo desse telhado debaixo do prédio velho de Brasília, que é minha terra natal, esse hospital da HUB que abriga minha avó cancerosa, essa mangueira que dá manga em junho, esse laptop da ACER fabricado na China e comprado nos EUA pelo meu pai, a ferramenta itálico do Microsoft Word é uma referência. Os carros multinacionais, multicolor, multifuncionais, são referencias. A sonoridade do mundo. A beleza e a feiúra das coisas são referências. Bergman, Murnau, Freud quem quer que seja a porra da referência, também é uma referência. Se a originalidade conta alguma coisa num projeto final de conclusão de curso. Qual é o problema das fontes não citadas? O Nieszcth falou da Andréya Maskovisthc quando se referia da campineira de “assim falou Zaratustra” o seu pedreiro falou das referencias que tem da arquitetura grega, romana, ou das ocas neandertais ou de quem construiu a primeira casa do planeta? Se cito minhas referências prefiro creditar meu TCC aos ‘alguens’ que não sejam eu. Pois a minha valia como formanda não se compara a nada. Não vou render milhões à instituição. Não farei propaganda. Não colocarei no facebook que estou formada. Nada. Sou como aquele mendigo que toca o realejo e através dele se comunica com o mundo – quando quer se comunicar com o mundo. Se estiver passando por aqui e tiver um trocado sobrando joga aqui no meu chapéu. Vai ajudar a alimentar o estômago que ronca.
Haha. Sou uma farsa mesmo. Venho com esse discursinho e pago mil reais na faculdade particular da capital do país. Eu não. Papai. Papai paga. Por que eu não tenho dinheiro para nada. Papai paga por acreditar que a filinha vai ser alguém na vida. Vai ser auto sustentável. Eu não acredito nessa auto-sustentabilidade. Se eu estudasse engenharia, botânica, compostagem, plantio, até se encaixaria melhor no termo..Mas cinema? Cinema é considera a sétima arte. E nem cinema eu faço. Faço desenho animado. Que nem arte é considerada. Não pelos acadêmicos. Desculpa papai. Acho que foram alguns mils jogados na boca de alguém que não soube valorizar como você o reconhecimento da razão. Tentei. Não consegui. Ao menos declaro meu amor por você nessa trabalho. Dedico a você, meu pequeno burguês reacionário, que tanto afaga minha pequena cabeça vazia. Cheia de coisa que não presta na verdade. O extraordinário circo do Bipo é o nosso circo. Nosso pão e picadeiro. Quem sabe não pela faculdade que nada sabe, mas quem sabe posso sustentar o tratamento de quimioterapia ou sua viajem ao exterior, seu PhD na Inglaterra. Quem sabe?
É bem possível que não. Me desculpe. Provavelmente serei um estorvo eterno. Uma louca com potencial desperdiçado. Vale procurar outra faculdade, mais barata talvez
uma com grandes grades cinzas e macas brancas com enfermeiros igualmente brancos sorridentes, distribuindo pílulas de felicidade. Quem sabe só assim poderei ser digna dos seus auxílios e extratos bancários. A família coronelista nos deixou a maldita herança. A herança da miséria, da mesquinhez. Você não se adequou também, né, papai? Teve que virar palhaço. Para ver se faz rir essa menina tão triste. Erguer um circo é foda.
Acho que o meu circo, pegou fogo.

Los Hermanos